OPINIÃO
JE SUIS JANAÍNA PASCHOAL
Jorge Béja
Ao longo da minha vida de repórter,acadêmico de Direito e advogado, vi
de perto a atuação no Tribunal do Juri do Rio, de advogados notáveis:
Sobral Pinto, Laércio Pelegrino, Newton Feital, Leopoldo Heitor, Luis
Bráz, Alfredo Tranjan, Heleno Cláudio Fragoso, Evaristo de Morais, Evandro Lins
e Silva...Eram emocionantes. Tinham o dom da palavra fácil e dominavam, como
ninguém, a arte cênica, que todo advogado criminalista que atua no Tribunal do
Juri precisa ter, mesmo que a causa lhe seja adversa. O Tribunal do Juri não é
palco para advogado tímido. Na década de 60, fui transmitir ao
vivo para a Rádio Continental do Rio, o julgamento de
Leopoldo Heitor na cidade de Rio Claro, interior fluminense. Três
advogados atuaram em sua defesa: Rovane Tavares, Eurico Rezende e o próprio
Leopoldo Heitor. E quando chegou a vez de Leopoldo falar para os jurados,
me ficou viva na memória esta passagem, que mais de meio-século
depois não me esqueci. Com voz firme e retumbante, bradou: "Ah! Araguari,
Araguari, cidade de minha terra natal que é Minas Gerais! Que vergonha para
vossos filhos quando mandastes para o cárcere aqueles dois
pobres coitados, um morto no cárcere, outro sobrevivido do
cárcere e ambos acusados de assassinato de um homem e que
por isso foram condenados. E anos depois, a vítima que eles teriam
matado, apareceu viva na cidade de Araguari" (Leopoldo Heitor, que
respondia pela acusação de ter sido o autor da morte de Dana de
Teffé, se referia ao caso dos Irmãos Naves, o maior erro judiciário da História
deste país).
JANAÍNA PASCHOAL, OUTRO TALENTO
Acreditava que depois deles, não haveria mais advogado igual. Ontem,
porém, depois de assistir falar a advogada Janaína Paschoal, uma das
autoras do pedido de impechament de Dilma Rousseff, que ao lado de Miguel
Reale Junior e Hélio Bicudo assinou a denúncia, voltei a ficar empolgado. E
relembrei o passado. A advogada e professora de Direito Penal da Universidade
de São Paulo (USP) falou à Comissão Especial do Impeachment com
desenvoltura. Falou de improviso. Não consultou uma anotação sequer. Com didática
inigualável e o mais profundo e completo conhecimento do Direito Penal e da
causa que defendia, Janaína fez calar 65 deputados titulares e outros tantos
suplentes. Sua explanação foi mais do que perfeita. Não deixou uma pergunta sem
resposta. E resposta impossível de ser rebatida ou replicada. Simples, bela,
sem a menor vaidade, vestida de branco, sem uma pintura e com um
vocabulário de dar inveja, a professora e doutora Janaína brilhou. Sabia tudo e
de tudo sabia. Tinha convicção do que dizia, do que escreveu na denúncia
que gerou o impechment.
A NOBREZA TAMBÉM PEDE PERDÃO
Teve um momento, durante sua exposição, que a doutora Janaína, sem
perder o tom e o encadeamento do seu raciocínio expositivo, disse a um deputado
que ostentava um cartaz: "deputado, o senhor vai cansar o braço". Por
isso foi advertida pelo presidente da Comissão, que lembrou que ali era
permitida a manifestação por parte dos parlamentares. E, de imediato,
a nobreza da doutora Janaína pediu "perdão". Repetiu três
vezes, perdão, perdão e perdão, tão acima estava daqueles que a ouviam. Um
pedido de perdão que não era necessário. A doutora Janaína bem que poderia ter
respondido à presidência: se aos deputados é concedido o direito de
manifestação, com muito mais direito, legitimidade e autoridade, têm
também seus eleitores o direito de se manifestarem. E Janaína ali,
além de advogada, era eleitora também como todos somos. Mas a
professora universitária e advogada preferiu não gerar polêmica no plenário da Comissão.
Ela sabia que seu tempo era precioso para gastar com bate-boca inútil e
desnecessário. E tocou em frente. Mostrou, tim-tim por tim-tim, todos
os crimes que Dilma cometeu, crimes comuns e crimes de responsabilidade,
no governo passado e no presente exercício de seu governo. Não ficou pedra
sobre pedra. Em outro momento, ao dizer que Dilma tomou medida "no calar
da noite", houve reação da platéia. E, com sabedoria e talento, consertou:
"no calar do final do ano, então".
APENAS UM TRECHO
"A responsabilidade fiscal neste governo infelizmente não é um
valor. Mas se a responsabilidade fiscal não for observada, nenhum programa
pode ser mantido. Vossas Excelências não imaginam a dor das famílias que
acreditaram que iam ter seus filhos terminando a faculdade e estão começando a
receber cartinha de que, ou eles pagam, ou eleS perderam esse sonho. Então, a
situação é muito grave. Aqui não tem nada a ver com elite, com não elite. Tem a
ver com povo enganado. Tem a ver com povo enganado que agora não tem mais as
benesses que lhes foram prometidas quando quem prometeu já sabia que não podia
cumprir". É um trecho, uma passagem, da exposição perfeita e
verdadeira que a advogada criminalista e professora de Direito Penal da USP
fez ontem aos integrantes da Comissão Especial do Impeachment de
Dilma Rousseff. Quem viu, não esquecerá jamais. Eu vi. Je suis Janaina
Paschoal.